O protagonismo das mulheres no desenvolvimento da ciência, da pesquisa e do ensino no Brasil tem crescido notavelmente nos últimos anos. Segundo dados da CAPES, dos 407 mil alunos de mestrado e doutorado no Brasil, 224 mil são mulheres. Elas representam uma maioria significativa, totalizando 55% dos matriculados em cursos de pós-graduação stricto sensu.
Apesar desse avanço numérico, os desafios que as mulheres enfrentam ao buscar uma trajetória consistente na ciência são inúmeros. Destacam-se as dificuldades em progredir na carreira, os estereótipos sociais sobre o papel da mulher, geradores de preconceito, os diversos tipos de assédio e as dificuldades em conciliar as responsabilidades domésticas, acadêmicas e profissionais.
Estudos recentes também mostram um aumento da participação das mulheres na autoria de artigos científicos no Brasil. De acordo com a Organização dos Estados Ibero-americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), 72% dos textos publicados no País têm autoria feminina. Já o relatório Elsevier 2020 revela que, em nível global, embora a proporção de mulheres seja mais baixa nas ciências físicas e mais alta nas ciências da vida e da saúde, a tendência geral é de maior equilíbrio entre os gêneros.
A servidora pública Laudisséia de França Figueiredo, mestranda em Direito na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), é uma figura que personifica a luta das mulheres, das minorias e da ciência. Ao ingressar por uma das vagas destinadas às ações afirmativas, ela enfrentou uma série de desafios singulares, devido à sua condição de mulher com albinismo e múltiplas deficiências, incluindo a visual e Transtorno do Espectro Autista (TEA), além de ser mãe de um adolescente igualmente portador de TEA.
“Um dos maiores desafios foi conciliar os diversos papéis – especialmente o de mãe de uma pessoa com deficiência, que requer acompanhamento terapêutico quase diário – com os estudos. Isso se torna ainda mais desafiador devido à escassez de bibliografia em formatos acessíveis, entre outras barreiras”, destaca. Sua pesquisa aborda o direito humano e fundamental a um ambiente de trabalho saudável para esse grupo, um campo praticamente inexplorado no âmbito jurídico.
Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Larissa Madalena da Silva Pinheiro também precisou vencer diversas barreiras para ingressar na pós-graduação, a partir de políticas de ações afirmativas para candidatos negros. “O maior desafio que enfrentei foi passar pelo crivo da banca de seleção do programa. Os critérios requeridos em editais e a falta de transparência nos processos seletivos são obstáculos constantes para candidatos como eu”, relembra
Larissa enfatiza o desafio contínuo de validar sua intelectualidade como mulher negra na academia. “Quando nós, mulheres negras, produzimos conhecimentos plurais, somos consideradas emocionais. Precisamos romper com as barreiras impostas pelo racismo em suas interseccionalidades. A intelectualidade é fundamental para a libertação de nossas mentes”, afirma. Sua pesquisa tem como foco a permanência de estudantes cotistas da UFMT.
História semelhante viveu a biomédica Adriane Torquati, 23 anos, mulher preta, mestre em Ciências Farmacêuticas na Universidade de Brasília (UnB). Filha de uma ex-empregada doméstica, ela conta que o maior desafio para ingressar na pós-graduação foi achar que merecia essa oportunidade. “Tive muitas pessoas que me encorajaram nesse caminho e decidi que ia ser mestra e doutora. Eu sou a primeira pessoa da minha família a atingir um grau de formação tão alto. Então, é um peso que eu carrego, uma responsabilidade. E um orgulho, ao mesmo tempo, de pensar que, se eu cheguei lá, pessoas como eu também podem chegar”, revela.
O esforço valeu a pena e hoje ela se prepara para ingressar no doutorado em Ciências Farmacêuticas, ainda pela Universidade de Brasília (UnB). Adriane acredita que a representatividade das mulheres na ciência está diretamente ligada à redução das situações de vulnerabilidade social provocadas pela desigualdade de gênero. “Quero inspirar outras mulheres a buscarem independência financeira e seguirem seus sonhos, independentemente da imposição da sociedade”, finaliza.
Iniciativas da CAPES
A CAPES criou Comitê Permanente de Ações Estratégicas e Políticas para Equidade de Gênero que irá sugerir ações e iniciativas para aumentar a representatividade feminina em posições de decisão e de comando na pós-graduação. As iniciativas de promoção da equidade de gênero valem para o Sistema Nacional de Pesquisa e Pós-graduação (SNPG), assim como para os comitês e coordenações de áreas de avaliação e o Conselho Superior da Fundação.
O trabalho inclui a sugestão de formas efetivas de comunicação e internalização das estratégicas desenvolvidas, além de ações de sensibilização e capacitação dos colaboradores, servidores e dirigentes da CAPES em relação ao tema. Além disso, deverá propor iniciativas para expandir a formação de mulheres nas áreas de Engenharias, Ciências Exatas e Tecnológicas.
Outra iniciativa é a criação do Prêmio CAPES Futuras Cientistas, que incentiva o aumento da participação feminina nos espaços de desenvolvimento científico, nas áreas de ciências exatas conhecidas pela sigla STEM – Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Também foi implementado o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento voltado à promoção de ações afirmativas na pós-graduação stricto sensu e formação de professores para a educação básica. A iniciativa prevê, por exemplo, que pelo menos metade das missões de estudo no exterior deverá ser realizada por mulheres, com preferência para as autodeclaradas pretas, pardas, indígenas, ou com deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades.