Com a quarentena e a crise econômica que assola o país, a mensalidade escolar é um problema que atinge boa parte das famílias brasileiras. A ConJur ouviu especialistas para saber o que é possível fazer do ponto de vista jurídico para amenizar as contas mensais e o que a escola precisa oferecer para cobrar o preço regular das mensalidades.
Marilia Canto Gusso, sócia da área Cível do WZ Advogados, afirma que essas dúvidas são comuns. ”Para responder a esses questionamentos, é preciso ter em mente que as mensalidades escolares representam o parcelamento do valor total cobrado pela instituição, por ano, para prestar os serviços, com o intuito de facilitar o pagamento pelas famílias. Sendo assim, não faria sentido suspender pagamentos ou obter descontos em função da interrupção de aulas por um determinado período, considerando que poderão ser repostas em outro momento: ou seja, se o serviço será prestado em sua integralidade, o pagamento também deve ser feito em sua integralidade”, explica.
Sob esse raciocínio, o não pagamento pode ser encarado como quebra de contrato pelo aluno, ensejando as penalidades daí decorrentes (como perda da vaga, por exemplo). Segundo ela, apenas nos casos em que não houver possibilidade de recuperação das aulas perdidas seria possível pleitear a restituição total ou parcial dos valores devidos.
Entendimento parecido tem a advogada, Fernanda Zucare, especialista em Direito do Consumidor e Processo Civil. “Com relação às mensalidades escolares da rede privada os valores devem ser pagos integralmente se houver a oferta e adaptação das aulas online. A negociação, neste momento, caso a caso, é a melhor solução”, explica.
Na opinião de Renato de Mello Almada, especialista em Direito Civil, sócio de Chiarottino e Nicoletti Advogados, escolas que estão oferecendo aulas online não devem reduzir a mensalidade. “Até porque essas escolas tiveram custo adicional para implementar plataformas digitais para atender os alunos. Isso não geraria direito a que houvesse diminuição ou desconto no valor das mensalidades”, explica.
Já Renata Cavalcante de Oliveira, sócia da área cível do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados, destaca os casos em que a suspensão da cobrança e pagamento de mensalidade deve ser avaliada. “Situação diferente ocorre para aquelas atividades que não podem ser repostas, como por exemplo, creches, aulas de reforço ou atividades físicas. Para essas situações haverá de ser analisado caso a caso.”
Procon e redução de dias letivos
Marilia Canto Gusso lembra que o diretor do Procon-SP, Fernando Capez, divulgou a posição da entidade que é a de discutir as questões pontuais e, sempre que possível, cumprir as obrigações assumidas, sob pena de prejuízos irreversíveis.
A advogada também cita o anúncio do Ministério da Educação que reduziu o ano letivo de modo a permitir que as instituições de ensino poderão cumprir o calendário escolar em menos de 200 dias letivos desde que se cumpra a carga horária determinada por lei (educação básica – 800 horas; ensino superior — horas determinadas pelas diretrizes curriculares dos cursos).
A Secretária Nacional do Consumidor também se manifestou sobre o tema por meio da Nota Técnica 14/2020. “Se houver uma prorrogação do período de quarentena, de modo a inviabilizar a prestação do serviço em momento posterior no ano corrente, será necessário ajustar o contrato, com base na previsão de prestação dos serviços”, como nos casos dos contratos de educação infantil, que não possuem conteúdo acadêmico”, diz trecho do documento.
É importante que, neste cenário atual, as relações sejam conversadas entre os consumidores e fornecedores, que haja bom senso e transparência, de modo a se evitar surpresas e desgaste entre as partes e desequilíbrio na relação contratual outrora estabelecida.”
Ação do governo
O advogado constitucionalista Adib Abdouni defende financiamento público para ajudar pais de alunos em dificuldade. “Compete ao Estado garantir a fruição do direito constitucional à educação, visando a não interrupção do pleno desenvolvimento educacional da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. E a incapacidade estatal de oferecer gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais para todos os brasileiros — especialmente na rede superior —, exigiu da iniciativa privada ocupar esses espaços. Assim, a meu ver, diante da calamidade pública instalada, com projeção de seus efeitos na economia nacional e na renda das pessoas, o Estado deve — em contrapartida — ampliar imediatamente suas políticas púbicas de apoio e colaboração ao financiamento público da educação. O risco de inadimplência decorrente da pandemia não pode representar causa de solução de continuidade dos contratos de prestação de serviço de educação privada de alunos que, até então, não se beneficiavam de programas públicos de incentivo e de financiamento”, defende.
Fonte: ABMES