HUB lidera pesquisa que originou 1º tablet para avaliar olfato
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Gabrielle Boeze 2 de setembro de 2024

Um estudo pioneiro, liderado pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB) — que faz parte da rede de hospitais universitários federais da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), estatal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) —, tem chamado a atenção do campo científico internacional. Trata-se do primeiro tablet do mundo para avaliar o olfato das pessoas por meio da liberação de aroma digital. Produzido no Brasil, o Multiscent 20 é um dispositivo eletrônico com tecnologia de ar seco que libera fragrâncias que ajudam a identificar problemas no olfato dos pacientes. 

Com o tablet, é possível investigar e diagnosticar distúrbios olfativos e outras patologias, como rinossinusite crônica, infecções e doenças neurodegenerativas. A pesquisa é realizada com apoio da Startup brasileira Noar, responsável pela fabricação dos dispositivos. 

Liderada por Márcio Nakanishi, otorrinolaringologista do HUB e membro do Living Lab HUB-UnB, a pesquisa começou a ser feita por meio da parceria firmada com a empresa Noar, referência no desenvolvimento de tecnologias de aromas digitais. A adaptação às necessidades médicas surgiu a partir dos estudos encabeçados por Márcio e dos acordos com Cláudia Galvão, fundadora e CEO da Startup, o que deu origem ao Multiscent 20. O dispositivo eletrônico emite até 20 aromas utilizando o ar seco, o que evita contaminação cruzada entre os cheiros. 

Histórico – A pesquisa começou a ser realizada por Márcio Nakanishi no período da pandemia de covid-19 (SARS-CoV-2), em 2020. A inquietação para a realização do estudo veio a partir dos episódios recorrentes de pessoas ao redor do mundo com perdas súbitas de olfato provocadas pelo vírus da covid-19. Dados trabalhados pelo pesquisador apontam que cerca de 368 milhões de pessoas tiveram perda olfativa durante a pandemia. Desse total, de 5% a 10% ainda permanecem com o olfato alterado.  

Em meio ao cenário de transformação global do olfato provocado pelo novo coronavírus, Nakanishi mergulhou nos tipos de testes olfatórios existentes no mundo, criados desde a década de 1960, e sentiu a necessidade de inovar. Praticante de meditação Shinsokan há 25 anos, o otorrinolaringologista contou que, após um dia de prática contemplativa, em 5 de setembro de 2020, teve a ideia de utilizar um frasco de spray nasal sem o cabo interno. Nakanishi introduziu óleo de eucalipto no interior do objeto, depois fechou-o com uma tampa e um adaptador individual que liberava ar ao ser pressionado. 

“Estava feita a engenhoca”, relembrou o pesquisador referindo-se ao seu experimento inicial. “[Posteriormente], à procura de um frasco melhor, realizei uma pesquisa na internet, colocando no Google a frase ‘nasal spray bottles’, e cheguei a uma reportagem que mostrava uma invenção desenvolvida por Cláudia Galvão, CEO da Noar: o cheiro digital a seco, feito para apresentar perfumes aos clientes de uma loja da indústria de perfumaria aqui, no Brasil”, detalhou Márcio Nakanishi. 

Empolgado com o que viu, o pesquisador entrou em contato com Cláudia e convidou-a a adaptar a invenção feita na startup aos procedimentos do UPSIT Test (teste olfatório considerado padrão-ouro no campo científico, desenvolvido em meados da década de 1980, na Universidade da Pensilvânia). Depois de muitos diálogos, parceria e estudos entre as partes, em dezembro de 2020, a Noar apresentou a Nakanishi a primeira versão do tablet. 

Verificação – Em abril de 2021, foi realizado o primeiro teste do dispositivo, em 180 pessoas no HUB. Para isso, foi feita uma comparação da técnica inovadora criada no Brasil [cheiro digital] com o padrão-ouro UPSIT Test [cheiro analógico]. Segundo Nakanishi, “essa primeira fase foi um ‘copia e cola’ do padrão-ouro para a versão digital, para poder comprovar que o dispositivo eletrônico realmente funcionava”, ou seja, os 40 odores utilizados na versão do UPSIT Test foram reproduzidos na versão eletrônica. 

Os voluntários foram divididos em dois grupos: 90 foram testados com o cheiro digital e outros 90 com o cheiro analógico. No dia seguinte, os testes foram reaplicados nos grupos invertidos. O número máximo de pontos a ser alcançado pelos participantes era 40; com isso, os resultados foram: quem fez no digital alcançou em média 32 pontos, e a média de quem fez no analógico foi de 31 pontos. “O digital foi melhor, o teste era feito em 12 minutos e o resultado saía imediatamente; diferente do analógico, [cujo tempo] era de 16 minutos. Esse foi o grande diferencial dessa tecnologia”, cravou Márcio Nakanishi.  

Em fevereiro de 2022, os resultados desse teste foram publicados na revista International Forum of Allergy and Rhinology (Ifar), no artigo The digital scent device as a new concept for olfactory assessment (tradução: “O dispositivo digital de aroma como um novo conceito para avaliação olfativa”), escrito com participação de Cláudia Galvão e outros pesquisadores.  

O segundo estudo foi desenvolvido com o intuito de descobrir se, com 20 cheiros, era possível alcançar a mesma eficácia do primeiro. Liderado pelo HUB, o teste foi realizado na fábrica da Noar, em São Paulo, com a participação de 2.094 voluntários. “Os 20 cheiros foram escolhidos por nós”, comentou Márcio. Isso inspirou o nome do dispositivo:  Multiscent 20. 

Baseado na Teoria de Resposta ao Item, o estudo deu certo. Os dados confirmaram que, com 20 perguntas, é possível detectar quem tem o olfato saudável e quem não tem. “A partir do estudo, detectamos que quem acertou de 20 a 15 pontos é considerado com o olfato normal. Quem acerta nesse tablet 11 a 14 está com hiposmia [perda parcial do olfato], e quem acerta menos que 10 está com anosmia”, completou Márcio. 

O artigo sobre o teste realizado foi publicado em julho de 2024, na revista Scientific Reports, da Nature, com o título “The Multiscent-20: A Digital Odour Identification Test Developed with Item Response Theory” (The Multiscent-20: um teste digital de identificação de odores desenvolvido com a teoria de resposta ao item). 

“A parte mais difícil da invenção foi não ter a contaminação, que a gente chama de cheiro seco, que é o diferencial da nossa invenção no mundo. Então eu consigo fazer dispositivos bem pequenos, com todos os cheiros saindo pelo mesmo lugar, sem contaminação cruzada”, comentou Cláudia Galvão. “A Noar está totalmente dedicada a essa causa, e a nossa inspiração máxima é o doutor Márcio. Se não fosse ele, a gente não teria descoberto essa área, não estaríamos fazendo uma coisa que para a gente se tornou tão importante”, emendou. 

HUB 

Buscando a implementação do dispositivo nos atendimentos realizados no HUB, Márcio pleiteou na Comissão de Padronização do hospital a incorporação da nova tecnologia, como explica a enfermeira Simone Batista, que atua na Unidade de Almoxarifado e Controle de Estoques do hospital. “Foi feito um estudo de custo e efetividade do material e foi votado por unanimidade a favor da incorporação desse material”, diz Simone, que também menciona que o processo também foi homologado pela Superintendência do HUB. 

Com isso, o processo retornou à Comissão e foi encaminhado para o Setor de Abastecimento Farmacêutico e Suprimentos, onde está tramitando em processo licitatório. “Isso leva cerca de 90 a 120 dias, e então estaremos com o material disponível no hospital universitário”, finaliza Simone. 

Expectativa – Para o cientista, a expectativa é que o tablet inovador esteja disponível aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) em todo o Brasil, tendo em vista a eficácia comprovada em seus estudos. “[Com o equipamento] a gente consegue ter um rastreio de forma muito mais rápida, eficaz. Na atenção primária, por exemplo, muitas vezes, a gente não consegue essa eficiência e qualidade”. Márcio conta que já foi realizada solicitação de implementação do dispositivo na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e está em fase de apreciação.  

“Temos conseguido repercussão mundial, seja nos Estados Unidos, seja na Europa, seja na Ásia. Estamos entrando nesse ciclo de grandes pesquisadores, então é um orgulho e alegria muito grande estar contribuindo para o Brasil e para o mundo”, avalia Márcio, que também menciona os desafios futuros: “A gente ainda tem muito trabalho pela frente, visto que o SUS tem alta capilaridade, alta abrangência”, concluiu. 

Fonte: Assessoria de Comunicação Social do MEC, com informações da Ebserh