No total, o custo anual da evasão escolar é de R$ 214 bilhões, ou 3% do PIB (Produto Interno Bruto), com base na redução das possibilidades de emprego, renda e retorno para a sociedade das pessoas que não concluem a educação básica.
“Isso porque os jovens que têm a educação básica completa passam, em média, mais tempo de sua vida produtiva ocupados e em empregos formais, com maior remuneração; têm maior expectativa de vida com qualidade — estima-se que cada jovem com educação básica viverá quatro anos de vida a mais que um jovem que não terminou a escolaridade — e tendem a ter um menor envolvimento em atividades violentas, como homicídios”, diz o estudo.
“O cálculo é de que a evasão representa uma perda de 26% do valor da vida de um jovem.”
A despeito desse enorme contingente de jovens que abandonaram a escola, o Brasil havia conseguido alguns avanços positivos na última década: a taxa de abandono do ensino médio na rede pública de ensino havia caído 7 pontos percentuais, de 13,7% em 2008 para 6,7% em 2018, segundo dados oficiais compilados pelo Observatório de Educação do Instituto Unibanco.
A taxa de jovens de 15 a 17 anos fora da escola, embora alta (8,8% em 2018), também vinha em queda.
Agora, porém, existe o temor de que alguns desses ganhos possam ser perdidos no pós-pandemia, diante de uma confluência de pressões negativas.
‘Depois que ele sai, é difícil trazê-lo de volta’
“Muitos jovens têm pais que são trabalhadores informais e tiveram uma queda abrupta na renda. Então eles próprios podem ser os únicos capazes de gerar renda para a família”, explica à BBC News Brasil Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco.
Considerando o histórico brasileiro de índices baixos de aprendizado nos anos finais do ensino fundamental e ao longo do ensino médio, além de um cenário de desinteresse dos jovens pelas aulas, “este longo tempo longe da escola pode acabar sendo o empurrão final (para a evasão), para a sensação de que ‘já não estava interessante, então não vale a pena’ prosseguir na escola”, agrega Henriques.
“E depois que o aluno sai, é muito maior o esforço para trazê-lo de volta.”
Em algumas regiões pobres do Brasil, como áreas do Nordeste, Henriques teme por um outro impacto da covid-19: muitos dos idosos vítimas da doença eram (por meio de suas pensões) responsáveis por prover grande parte da renda da família. Isso também deve aumentar a pressão sobre jovens para que migrem ao mercado de trabalho.
Essa entrada precoce no ambiente profissional, em um momento particularmente ruim da economia, pode cobrar seu preço ao longo das décadas seguintes da vida desse jovem: sem a escolaridade, ficará mais difícil conseguir empregos qualificados.
“O prêmio pela educação ainda é alto no Brasil, mesmo se essa educação for ruim. Completar o ensino médio brasileiro define uma trajetória de vida muito mais positiva do que não completá-lo, quanto a mobilidade de vida”, diz Henriques.
Dificuldades de acesso às aulas
Com o celular quebrado e sem computador para acompanhar as aulas remotas, Sabrina Oliveira Lopes, 17, estudante do 3° ano do ensino médio na rede estadual de São Paulo, perdeu o ânimo quando as aulas passaram ao ambiente remoto por conta da pandemia e chegou perto de não conseguir acompanhar os estudos.
“Ficou meio bagunçado. Algumas lições estavam em uma rede social; outras estavam em outra. Não acho que eu teria desistido tão fácil da escola, mas a gente (alunos da turma) meio que entrou em desespero”, conta à BBC News Brasil.
Sabrina acabou retomando o ímpeto com a ajuda dos professores e de um notebook doado pelo Instituto Proa, organização social onde fazia um curso extra.
“Não tem muita gente nas aulas online (da escola). Tinha no começo, mas foi baixando. Teria que chamar um por um, ligar para eles. Sei que é trabalhoso, mas vale a pena. Você se sente acolhido, sente que não é só mais um”, diz ela.
O Proa atende jovens de baixa renda e de escolas públicas, com aulas suplementares, atividades que aumentem seu repertório cultural, apoio emocional, mentoria e, depois, ajuda para entrar no mercado de trabalho.
Tudo isso também precisou ser transportado para o ambiente virtual quando veio a pandemia, além de doações de equipamentos e cestas básicas aos alunos.
“A primeira aula online foi só para ouvi-los soltarem suas angústias”, conta Rodrigo Dib, executivo-chefe do Proa. E entre essas angústias, havia frases como “meu pai perdeu o emprego”; “não mais sei o que faço da minha vida”; “não vai dar mais, vou voltar para a estaca zero”.
“Tivemos que agir super-rápido e fazer com que eles continuassem acreditando. O mundo depois disto (pandemia) vai ser mais desafiador, e eles tinham que continuar, por eles próprios”, diz Dib.
A centenas de quilômetros de distância dali, em Bocaina, no interior do Piauí, a professora de matemática Maura Silva vê angústias semelhantes entre seus alunos do ensino médio.
“No primeiro mês, eles tiveram participação muito ativa nas aulas online. No segundo mês, pararam de dar retorno das atividades. Alguns já desistiram das aulas remotas”, lamenta Silva.
A professora pediu a alguns alunos que fizessem vídeos motivacionais para os colegas, enquanto a direção da escola fez visitas domiciliares aos estudantes sem acesso à internet.
Mas o cenário é de “muita dificuldade”, diz ela. “Alguns pensam em refazer o ano letivo, porque acham que este não está sendo útil.”
Uma pesquisa do Datafolha feita em junho com pais ou responsáveis de 1,5 mil estudantes da rede pública do país apontou que um índice relativamente alto deles (79%) estava recebendo atividades não presenciais de suas escolas.
Mas quase um terço dos pais temia que seus filhos desistissem da escola se não conseguissem acompanhar as aulas em casa. Quase dois terços dos responsáveis disseram que seus filhos estão ansiosos neste período e 37% deles contaram que os filhos estão tristes, aponta a pesquisa, encomendada pelas fundações Lemann, Itau Social e Imaginable Futures.
O ineditismo da pandemia atual impede a comparação com outros momentos da história, mas locais que viveram catástrofes e epidemias (como o oeste da África durante o surto de ebola entre 2013 e 2016) costumam sofrer posteriormente o aumento da evasão escolar.
Em palestra online no evento Bett Educar, no final de junho, o secretário-executivo de Educação do Estado de São Paulo, Haroldo Rocha, citou a desconexão dos alunos e o possível aumento do abandono escolar como as grandes preocupações atuais.
Como vai ser a volta à escola?
Existe, também, o receio de como vai ser a volta às aulas com as exigências sanitárias necessárias para impedir o contágio do coronavírus.
Para Carlos Roberto Cardoso, diretor de uma escola de ensino fundamental em uma das áreas mais carentes da zona leste da capital paulista, “a pandemia só acentuou a dura realidade” vivida por famílias e escolas vulneráveis.
Entre os educadores, diz ele, há muitas dúvidas de como vai ser possível manter o distanciamento social e as regras de higiene, por exemplo na alimentação dos estudantes e na limpeza de banheiros.
Na pesquisa do Datafolha, os pais de 87% das crianças disseram que elas temem a contaminação pelo coronavírus na volta às aulas.
“Tenho três pessoas para fazer a limpeza em uma escola grande (cerca de 900 alunos)”, diz Cardoso. “E como controlar (o espalhamento do vírus) em um ambiente tão fechado como são as escolas públicas? Tenho lido muitos relatos de pais, e não só os daqui da escola, inseguros com a questão sanitária. Li a postagem de um na internet dizendo ‘meu filho perde o ano, mas não volta para a escola tão cedo’.”
No Estado de São Paulo, a previsão é de que a volta às aulas presenciais comece em 8 de setembro, escalonada e sujeita às decisões individuais de cada rede municipal de ensino. Na capital paulista, a Secretaria Municipal de Educação informa que ainda está definindo as datas do retorno e o secretário, Bruno Caetano, está se reunindo virtualmente com todas as diretorias regionais de ensino para ouvir suas preocupações.
Haverá, segundo a pasta, distribuição de kits individuais com máscara, sabonete e copo, além de álcool gel, controle de temperatura e demarcação de lugares.
Sobre o tamanho das equipes de limpeza, a assessoria da secretaria diz em nota que “conforme está descrito na minuta do protocolo de retorno às aulas, os contratos de limpeza serão revistos. E as empresas precisarão também se adequar a essa nova realidade sanitária”. A assessoria diz também que já estão ocorrendo reuniões entre a prestadora de serviço e a diretoria regional de ensino “para pensarem formas de adequar o protocolo seguido pela secretaria ao novo modelo de higienização que será adotada no pós pandemia” na escola de Cardoso.
Problemas antigos
Para além das questões de higiene, especialistas em educação preveem que, para conter a alta na evasão, será necessário buscar ativamente os alunos e lidar com problemas antigos e complexos do ensino brasileiro — por exemplo, reduzindo os abismos da desigualdade social do país, melhorando o ambiente escolar, acolhendo emocionalmente alunos e professores, e fazendo com que o conteúdo ensinado fique mais próximo da realidade e das necessidades dos estudantes e do mundo atual.
“A cada 100 crianças brasileiras que entram no ensino fundamental, apenas 65 concluem” os estudos, afirma Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco. “Os que terminam, já são sobreviventes.”
Na volta às aulas presenciais, opina ele, será preciso lembrar que, mesmo que os alunos vão à escola, “mantê-los ali vai ser mais difícil do que antes”.
“Os estímulos negativos para a evasão vão continuar intensificados e os alunos vão estar mais vulneráveis. Se o aluno não se sentir acolhido, se houver um clima escolar ruim, com bullying, ele pode ir embora”, diz.
“E é algo duradouro, que não vai se resolver em uma semana, porque vidas inteiras de famílias vão se reconfigurar (por causa da pandemia).”
Fonte: Por BBC NEWS – G1