Quase seis em cada dez cidades do país (59,6%) ainda discutem protocolos de biossegurança para fazer a reabertura das escolas municipais, fechadas há um ano para conter a pandemia do coronavírus.
Os dados são de uma pesquisa divulgada nessa quarta-feira (10) pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Itaú Social. Foram ouvidos 3,6 mil municípios entre 29 de janeiro e 21 de fevereiro.
“Não dá para voltar presencialmente sem um protocolo que dê garantias para o trabalho de todos”, afirma Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime.
As escolas municipais são coordenadas pelas prefeituras, e concentram quase metade (48%) dos alunos da rede pública do país, segundo o Censo Escolar 2020, do Ministério da Educação (MEC).
Em sua maioria, são crianças que estudam da pré-escola até o 5º ano do ensino fundamental. São, portanto, as mais novas. Se no ensino infantil o contato e a interação são essenciais, nos anos iniciais do ensino fundamental, a proximidade de alunos e professores ainda é recorrente para o processo de alfabetização e de noções básicas de matemática.
Mas a forma de garantir a segurança contra a Covid nas salas de aulas, muitas sem ventilação adequada, ainda é um entrave para reabrir as escolas.
Nesta terça (9), O Observatório Covid-19, formado por um grupo de pesquisadores, divulgou uma carta em que diz ser um risco reabrir escolas em meio à alta no número de contágios.
“Há alto risco de transmissão nas comunidades escolares, principalmente porque as interações envolvem grupos de pessoas, por tempo prolongado, em geral em ambientes fechados. Além disso, a grande maioria dos alunos, professores e funcionários dependem de transporte coletivo para o trajeto de casa para as escolas. Ademais, na maioria das escolas públicas, não foram disponibilizadas condições estruturais e funcionais para que as medidas de proteção sejam plenamente seguidas, diz um trecho da carta.
Segundo o grupo, “faltam espaços com ventilação apropriada, falta pessoal responsável pela limpeza, faltam materiais e equipamentos para proteção individual, falta a implantação de estratégias de testagem periódica e identificação de contactantes e falta também orientação à comunidade escolar sobre os protocolos.”
A falta de planejamento pode estar atrelada à troca de gestão nas prefeituras e secretarias de educação. De acordo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 3.319 cidades (59,5%) das 5.570 do país estão com novos prefeitos em 2021. Mesmo as que reelegeram prefeitos, pode ter havido troca na secretaria de educação. Entre as que responderam à pesquisa, 53% mudaram de gestão.
“É urgente a construção de um planejamento coordenado, com protocolos bem estabelecidos, a partir de forte diálogo com as equipes, famílias e muito apoio aos professores, sob pena dos prejuízos ainda maiores à educação e à garantia de direitos de crianças e adolescentes”, afirma Patricia Mota Guedes, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Itaú Social.
Os dados indicam que 70% das redes concluíram o ano letivo de 2020 em dezembro. A volta às aulas em 2021 deverá ser remota para 63,3% das redes municipais.
Outras 26,3% apostam no formato híbrido, com turmas divididas em que parte assiste às aulas em casa e outra parte, presencial na escola. Só 3,8% apostava no retorno presencial e 6,6% ainda não definiu.
“Sabemos que em 2021 e nos anos seguintes, a educação básica pública enfrentará muitos desafios adicionais com a retomada das aulas presenciais, devido às mudanças impostas pelo enfrentamento à pandemia da Covid-19”, afirma Garcia, presidente da Undime.
“Os municípios necessitarão de várias ações, como: implementação de protocolos sanitários e de segurança; elaboração e aplicação de protocolos pedagógicos; investimentos em infraestrutura; capacitação dos profissionais da educação com atividades pedagógicas locais e em regime de colaboração”, analisa.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) orientou em outubro do ano passado que as redes de ensino implantassem um currículo contínuo, abrangendo 2020 e 2021, a fim de corrigir possíveis falhas no processo de aprendizagem durante as aulas remotas.
A proposta era avaliar os estudantes ao fim do ano letivo de 2020, identificar as falhas de aprendizagem, e ensinar de novo em 2021, em coordenação com os temas do ano letivo seguinte.
Entretanto, os dados da pesquisa apontam que só 26,4% das redes concluíram a elaboração do currículo contínuo. A maioria (65,7%) ainda debate como fazer. E 7,9% ainda nem começaram.
Os dados da pesquisa também trazem um panorama sobre como foi o ano letivo em 2020. Segundo o levantamento, a falta de acesso à internet e de infraestrutura nas escolas foram os maiores desafios das redes municipais em 2020.
Na rede municipal, as atividades remotas se concentraram no envio de atividades por WhatsApp ou de materiais impressos.
Para 78,6% dos respondentes, a conectividade dos alunos foi apontada com grau de dificuldade de médio a alto para a continuidade da educação no ano passado. Para a Undime, o dado reforça a importância de ampliar o acesso à internet no País. O Censo Escolar de 2020 também apontou a falta de conectividade e revelou que o Acre, Amazonas, Maranhão, Roraima, Pará e Amapá têm os menores índices de conectividade do país.
A pesquisa também indica que em 2,4% dos municípios, não houve oferta de atividades remotas.
“Durante o ano de 2020, mais de 5,5 milhões de estudantes no Brasil não tiveram atividades escolares e muitos tiveram acesso limitado a elas, em especial os mais vulneráveis. Uma das razões é a falta de acesso à internet, que contribui para a perda do vínculo com a escola e, consequentemente, a exclusão escolar”, avalia Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef no Brasil.
Para ele, “é essencial realizar todos os esforços para reabrir as escolas em segurança e mantê-las abertas”.
“Mesmo que não seja possível aulas presenciais por conta do agravamento da pandemia, a escola aberta é um espaço de acolhimento em que estudantes e famílias podem buscar atividades, acessar a internet e manter a aprendizagem. Além disso, é preciso investir para ampliar o acesso à internet e ir atrás de cada criança e adolescente que não conseguiu seguir aprendendo”, afirma Dutra, do Unicef.