Fale um pouco sobre sua trajetória.
Faço parte da equipe do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais, na Uerj, onde atualmente sou pós-doutoranda. Fui bolsista da CAPES no mestrado e no doutorado.
Sempre fui muito curiosa em relação aos fenômenos da natureza. Aos 15 anos, tive a oportunidade de participar de uma Iniciação Científica Júnior, fruto de parceria entre o Colégio Pedro II e o Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Laboratório de Arqueologia do Museu.
Os trabalhos de campo e a possibilidade de vivenciar a pesquisa no meu dia-a-dia me fizeram ter ainda mais certeza de que queria ser cientista e, portanto, ingressei na graduação em Ciências Biológicas. A Arqueologia aguçou meu interesse para o conhecimento do passado como uma ferramenta para compreender o presente e preparar o futuro. Nesse sentido, minha pesquisa sempre foi voltada para o estudo do paleo, ou seja, do antigo.
Minha pesquisa, multi e interdisciplinar, foca-se no conhecimento do ambiente e clima do passado usando de indicadores biológicos, químicos e físicos que possam me dar uma “dica” de como era o clima no passado. Participo de diversos projetos nacionais e internacionais que procuram compreender a dinâmica climática a nível global a partir de estudos nos mais diversos ambientes como a floresta amazônica, os desertos do Saara, do Atacama e a Antártica, as geleiras andinas, da Rússia e as florestas temperadas do centro-oeste europeu.
A vantagem do estudo nessa variedade de ambientes é a possibilidade da compreensão da complexa teleconexão de fenômenos a nível global, muito importante para a robustez de estudos paleoclimáticos. O estudo envolve análises em sedimentos lacustres (de fundo de lago), marinhos, em anéis de árvore e de aerossóis da atmosfera.
Explique o trabalho que se tornou capa da revista Nature.
A poeira mineral pode ser transportada a longas distâncias com as correntes aéreas. Isto se dá mesmo em escalas intercontinentais, como as plumas de poeira norte-africanas sobre o Oceano Atlântico ou aquelas vindas do leste asiático, através do Oceano Pacífico. Desde a década de 1970, com o advento do lançamento de satélites, foi observado que parte da poeira que atravessa o Oceano Atlântico chega até ao norte do continente sul-americano e ao Caribe.
A poeira mineral fornece quantidades significantes de macro e micronutrientes, como fosfato e ferro, para os oceanos, aumentando a produtividade dos mesmos, além de ser considerada uma fonte potencialmente significante de nutrientes para a floresta amazônica, que possui solos pobres em nutrientes e depende de sua deposição vinda da atmosfera. Segundo a literatura da área, a poeira norte-africana, vinda majoritariamente do Saara, é considerada a maior contribuinte para este processo.
Em 2014 foi feito um trabalho de campo na Bacia Amazônica e no Alto Rio Negro, para a coleta de amostras que pudessem contribuir com o conhecimento das mudanças climáticas ocorridas nessa região nos últimos 10 mil anos. O local de amostragem, a Lagoa da Pata, fica no Morro dos Seis Lagos, a 300 metros de altitude, cercado pela planície amazônica.
A Lagoa não apresenta conexão com nenhuma rede de drenagem que possa desaguar nela, sendo, portanto, formada pelo acúmulo da água da chuva que cai na região. A vantagem da escolha do estudo nessa lagoa se dá pelo fato de que ela pode funcionar como um arquivo/registro do material que é transportado para região amazônica pelas correntes de vento e é “lavado” pela chuva, sendo depositado em seu interior.
Com o registro de um lugar estratégico em mãos, o passo seguinte era identificar e diferenciar a poeira mineral que foi acumulada no fundo dessa Lagoa. A análise do material recuperado procurou identificar a proporção de isótopos de dois elementos químicos: o estrôncio (Sr) e o neodímio (Nd), que funciona como o “DNA” da poeira mineral e cuja relação permite identificar seu local de origem.
A análise desses elementos no material da Lagoa da Pata revelou que durante os últimos 7,5 mil anos registrados no sedimento, diversas fontes exportaram poeira (e seus nutrientes) para a Bacia Amazônica. Para nossa surpresa, nessa região da Bacia Amazônica, o deserto do Saara não foi a principal fonte (contribuindo entre 4 e 10% do material depositado) e outras áreas aparecem como potencial contribuidoras: sul da África (10-50%), Bolívia e Peru (8-11%) e Argentina (13-15%).
Por que é importante entender de onde vêm os nutrientes da Amazônia?
A vitalidade da floresta amazônica depende em grande parte do aporte de nutrientes vindos da atmosfera. Portanto, conhecer a dinâmica de sua importação e as potenciais fontes contribuintes para esse processo é essencial para compreender o processo de fertilização e manutenção da Amazônia, principalmente frente às mudanças climáticas da era moderna, que podem causar alterações significativas não só localmente, mas também nas áreas-fontes de poeira e nos mecanismos de transporte, com consequências importantes para a floresta.
O conhecimento dessa dinâmica é importante para compreender não só como o processo de fertilização da floresta em si funciona, mas também para entender como ele evoluiu até o presente e o que poderá acontecer no futuro, como consequência das mudanças climáticas. Esse tipo de informação nos ajuda a monitorar esse processo, entender as tendências atuais e pensar o que podemos fazer para evitar que seja prejudicado.
O artigo figurou na capa da revista Nature Communications Earth and Environments, além de ter sido objeto de notícias compartilhadas por diversos órgãos de pesquisa como o IRD, o ATTO (Observatório de Alta Torre) e Uerj e ter gerado interesse até mesmo em cientistas da Nasa (EUA).
O trabalho é fruto de sua pesquisa do mestrado. Qual a importância da CAPES na sua trajetória?
Fui bolsista CAPES durante meu mestrado e meu doutorado inteiros, com bolsa para Programa de Excelência Acadêmica (Proex). Além disso, fiz meu estágio doutoral em Paris, no Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), por meio do Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE). Sempre voltei minha vida para a minha carreira científica. A bolsa da CAPES me deu o apoio financeiro necessário a que eu me dedicasse somente à pesquisa.
Quais são os próximos passos?
Atualmente temos interesse de seguir a pesquisa, avançando numa análise dessa dinâmica em uma janela maior de tempo, bem como buscando caracterizá-la melhor a partir de estudos locais e coletas de aerossóis na região. Queremos entender detalhadamente o transporte de poeira mineral no setor sul do Atlântico, bem como compreender como se dá a distribuição vertical da poeira no processo de deposição em solos amazônicos.
É de grande interesse o conhecimento do transporte de aerossóis ao redor do globo, e para isso, além da temática desertos-floresta amazônica, participo de diversos projetos internacionais que têm como tema a deposição de poeira mineral e seu efeito sobre geleiras, bem como o transporte de material resultante da queima de Floresta Amazônica para geleiras andinas e seu potencial efeito na aceleração do derretimento das mesmas.
Assessoria de Comunicação Social do MEC com informações da CCS/CAPES